Qual o objetivo leva a gente a buscar conhecimento é uma pergunta muito individual, relativa e ampla demais pra ter uma resposta definitiva, mas eu me pergunto o que leva uma pessoa a tornar esse objetivo sua profissão. Eu sei dos nossos compromissos a cumprir, contas a pagar, artigos a escrever, aulas pra ministrar, filhos pra criar, e algum desses fardos a gente carrega vida a fora e vida adentro, tontos e confusos por um contra-vento que desafia a nossa caminhada. Mas a questão permanece, podemos ser administradores e contadores, operadores de voo e engenheiros de tráfico, dentistas e médicos, advogados e jornalistas, mas escolhemos ser historiadores, antropólogos, sociólogos, geógrafos, arqueólogos, linguistas, filósofos.
Que loucura leva um jovem a dar o salto-de-fé e resolver andar na contra-mão da busca do conforto, da segurança, de uma ideia de bom salário e estabilidade financeira, viagens internacionais de primeira-classe ou, vai, executiva... Convenhamos: difícil fantasiar um antropólogo sendo conduzido por um motorista até seu escritório cheio de edições encadernadas em couro. Um pai não vai pressionar seu filho a cursar sociologia porque o mercado está sobrecarregado de engenheiros.
O que a gente faz interessa pouca gente.
Porque ouvir o que acadêmicos têm a dizer não interessa. Porque os livros e artigos são difíceis de ler. Porque o conhecimento que produzimos é hermético – e nunca vi melhor palavra pra defini-lo, ela própria é hermética. Porque nos refugiamos em torres de marfim antiquíssimas, seja por vontade, seja por força das circunstâncias.
Somos tão exóticos quanto os taínos pros espanhois, os botocudos pros portugueses. “Você é arqueólogo? Que interessante!”. A profissão que colocamos nos nossos crachás de apresentação para o mundo é interessante porque é curiosa, mas não interessa além da primeira impressão. E por que deveria? Escrevemos artigos para algumas centenas de pessoas lerem, se tivermos sorte e nome suficiente. Pra quê? Por quê?
Teoricamente – veja bem – estamos lidando com gente. Gente morta, gente viva, restos de gente, evidências de gente. Mas é fácil esquecer disso porque, afinal, que outra opção a gente tem se somos gente também. Missões de vida, amor ao conhecimento, construções de saberes, vida dedicada à pesquisa; o quanto isso é a reprodução de uma ladainha pra justificar a nossa escolha, para enobrecer aquilo que achamos que deveria ser valorizado, para fortalecer nossa decisão ameaçada pelos caminhos que não escolhemos?
São muitos pontos de interrogação em um texto, mas esse acaba sendo o cerne dessa escolha: a pergunta. Fazemos perguntas pra vida, pra sociedade, pra pergaminhos, documentos, esqueletos, edifícios, na esperança que possamos respondê-las no curso de uma existência humana. Abraçar a dúvida é inevitável porque uma só pessoa não pode desvelar todos os aspectos disso que gostamos de chamar de humanidade, dentro e fora de nós; entretanto, alguns acabam mariposas perseguindo uma luz infinita e inalcançável porque às vezes – não sempre – a busca é maior do que o destino, o meio do caminho é onde a bagunça acontece e o caos é sorteado, angustiante, enriquecedor, difícil, solitário, necessário. Se esse for o caminho que a gente precisa caminhar eu peço a coragem de continuar a ser sempre uma mariposa.
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