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Com quantos golpes se faz um Brasil? (parte 1)

Getúlio Vargas ganhou a eleição de 1950. Antes de tomar posse da presidência da República, em 31 de janeiro de 1951, a União Democrática Nacional (UDN) questionou a vitória e começou uma campanha para tentar impugnar o resultado com o argumento de que o vencedor deveria ser eleito com a maioria absoluta dos votos válidos, ou seja, mais de 50% de votos.

Duas coisas.

Primeira, o Brasil tinha uma nova Constituição, a de 1946, e essa exigência de maioria absoluta não existia; também não existia nenhuma previsão de segundo turno e o vencedor era aquele tivesse maior número de votos. Inclusive, o artigo 81 da Constituição de 1946, que dispunha sobre a eleição de presidente e vice-presidente, foi mudado nos primeiros meses da Ditadura Civil-Militar pela Emenda Constitucional nº 9 de 1964, que acrescentou o conceito de “maioria absoluta” ao artigo.

Segunda, a União Democrática Nacional (UDN) era um movimento de oposição à ditadura do Estado Novo, que se oficializou num partido liberal em 1945 e atraiu políticos de uma direita liberal e militarista e de uma esquerda democrática depois que Getúlio Vargas foi deposto do seu período ditatorial, o Estado Novo (1937 a 1945).

Mas, agora, a UDN já não era uma partido de frente ampla ou de congregação de interesses. Começou a ser visto como ideologicamente ambivalente, ausente de propostas econômicas muito claras e, o pior de tudo numa democracia eletiva: “ruim de voto”. Uma ruma de fracassos eleitorais abriram espaço no partido para atrair integralistas — nossos fascistas brasileiros — e, por consequência, os políticos de esquerda debandaram maciçamente da UDN. Lourival Gomes Machado, sociólogo, jornalista, político e cientista político (1917–1967) escreveu na Folha Socialista, em 1950, que a UDN atirava-se “nos braços do totalitarismo fascista com extraordinária candura”.

Título do artigo de Louvival Machado na "Folha Socialista" de 12 de agosto de 1950 (Imprensa Proletária/Arquivo Marxista na Internet)
Título do artigo de Louvival Machado na "Folha Socialista" de 12 de agosto de 1950 (Imprensa Proletária/Arquivo Marxista na Internet)

Aqui, um pulo pro século XXI. Celso Rocha de Barros, sociólogo, escreveu para a Folha de S. Paulo, em 2022, que o Partido Liberal (PL) também tinha aberto as portas para o fascismo pós-Bolsonaro.

Em 2019, dois anos antes de Jair Bolsonaro se filiar ao PL, dois sujeitos competiram agressivamente para reabilitar a UDN como novo partido ou como partido recriado com o objetivo bastante ambicioso de filiar o então presidente Bolsonaro e dezenas de deputados federais. No meio das brigas e das ambições frustradas, os dois pretendentes a dirigentes do partido tinham pouquíssimo conhecimento denso sobre a história udenista:

“Era um partido conservador, de direita, né? A gente vai continuar com esse DNA [...] Puxei muito [de informações] pela internet, entendeu?”

disse Marcus Alves de Souza, ex-subsecretário da Casa Civil do Espírito Santo, exonerado pelas acusações de fazer rachadinha e de ameaçar de morte um servidor da Assembleia Legislativa. Marcus Alves via a UDN como uma sigla ideologicamente pertinente para abrigar toda a família Bolsonaro.

 Maria Victoria Benevides, socióloga e professora aposentada da USP, autora do livro A UDN e o udenismo, disse numa entrevista ao O Globo em 2019

“Se a UDN pode ser considerada a inspiração para aspectos do bolsonarismo? Sem a menor dúvida [...] Para mim, o bolsonarismo é o herdeiro do udenismo mais radical. É um herdeiro daqueles que vieram a aderir ao golpe em 1964, de Carlos Lacerda [ex-governador do Rio de Janeiro], diferentemente do grupo do Afonso Arinos [ex-deputado, senador e chanceler]”.

Dois sociólogos escrevendo sobre a abertura de caminhos para o fascismo e o radicalismo dentro de partidos liberais no Brasil. O paralelismo é curioso, mas não é coincidência em absoluto, nem algum aspecto cíclico de história; existem fenômenos, como o fascismo, que continuam correntes e dinâmicos, às vezes adormecidos, às vezes acordados violentamente.

Em 1951, a UDN tentou emplacar a tese da impugnação da eleição de Vargas pela falta de maioria dos votos e os jornalões apoiaram o partido para tentar evitar a posse. Generais foram ouvidos e se pronunciaram sobre a possibilidade de apoiar esse golpe, mas o terreno não era fértil, o Tribunal Superior Eleitoral rejeitou a tese de maioria dos votos, Getúlio Vargas assumiu a presidência da República a partir da via eleitoral e esse golpe não teve grande aderência das Forças Armadas. Esse golpe

Primeira página do jornal "Diário Carioca", de 31 de outubro de 1950, anti-getulista e grande apoiador da tese da maioria (Hemeroteca Digital/Biblioteca Nacional)
Primeira página do jornal "Diário Carioca", de 31 de outubro de 1950, anti-getulista e grande apoiador da tese da maioria (Hemeroteca Digital/Biblioteca Nacional)

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